Terça-feira, 21 de Fevereiro de 2012

Ervas daninhas

Interessante artigo de um site de Kendo. Aplica-se a todas as artes marciais. Infelizmente…

Ervas daninhas


Em todos os campos da atividade humana existem os bons e maus profissionais. A despeito de que tipo de serviços oferecem ou competência, sua formação é um elemento imprescindível para garantir a prestação autêntica de um trabalho que exige conhecimento profundo.

Obviamente, nas artes marciais, isso não é exceção. Para se atingir o nível de conhecimento e de técnica para lhe garantir o título de “instrutor”, é necessário um imenso investimento, que é muito difícil de quantificar em termos de tempo, dinheiro e sacrifícios diversos.

Nossa maneira objetivista de enxergar a formação profissional está relacionada ao termo “treinamento”. Para se exercer uma função específica, você será treinado por um profissional mais experiente e no mínimo de tempo possível, estará produzindo para a empresa onde trabalha. Da mesma forma, é possível estabelecer um paralelo com o ensino superior, onde cursos de quarto anos o tornam profissional especializado em determinada área.

Mas isso não se aplica às artes marciais, acredito. Não serão cursos técnicos listados em um currículo que irão determinar a competência de um instrutor. Tudo porque o fator “tempo” é crucial num julgamento preliminar que irá criar a impressão que temos de um instrutor. Com mais anos de treino, certamente ele é experiente e esse é o ponto essencialmente mais valorizado no universo tradicional das artes marciais.

Mochida Moriji - um dos últimos 10º dan

 


Percebemos isso quando perguntamos qual a graduação do instrutor. Se ele tem tantos dan, cria-se a imagem de um mestre que tem domínio e conhecimento para transmitir. Com menos dan, aparece a desconfiança em sua competência.

Justamente por isso, é complicado “verificar” a qualidade de um instrutor através de graduações. Mesmo com cálculos que listam a carga de treinamento em horas por ano, nada disso garante qualidade ensino. Sem falar que isso menospreza todo o esforço de anos em treinamento, pré-julgado sem maiores critérios.

No Japão, a imagem do instrutor é reverenciada. Ele geralmente tem um tratamento e respeito diferenciados pela sociedade, justamente pela responsabilidade que lhe cabe. E não é necessariamente em artes marciais, mas em todas as áreas que envolvem algum tipo de transmissão de conhecimento. Uma função com grande responsabilidade requer talento, além de dedicação e experiência.

Talvez seja a busca pelo status e respeito que a imagem do Sensei gera é que muitos se dedicam ao treinamento marcial, embora a busca de graduações como objetivo não seja estimulada pelos mestres. Mas o esforço de anos, talvez décadas para merecer tal status é, como disse anteriormente, muito difícil de quantificar.

Nesse meio, surgem aqueles que se intitulam mestres em artes marciais. Geralmente de origem duvidosa ou nebulosa, encabeçam associações e academias onde alegam ensinar técnicas de luta, muitas vezes orientadas para defesa pessoal. Neste artigo, pretendo categorizar alguns tipos de charlatães e discursar sobre possíveis motivações e autenticidade daquilo que ensinam – sem citar nomes ou grupos específicos, visando o auxílio de quem tenha interesse real em praticar artes marciais e se considera leigo, tanto nas lutas quanto em cultura oriental.

 

O fantasioso


É o tipo de charlatão que é auto-proclamado “mestre”. Gosta de se comportar como tal, aprecia a tradicional bajulação de sua posição e anda de peito estufado vomitando frases de efeito de cunho pseudofilosófico maquiadas com “orientalidades zen”. Geralmente, é um “teórico marcial” que discursa bonito como um marketeiro mas tem uma origem marcial obscura – não se sabe quem o treinou (sempre dizem que aprenderam de um “mestre oriental já falecido”) ou a que entidade está ligado no país de origem da suposta arte marcial. Muito menos quanto tempo tem de experiência ou comprovação de sua suposta graduação. Muitas vezes, não é possível comprovar sua real destreza e habilidade, pois se preserva de demonstrações.

Em muitos casos, esses tipos são verdadeiros fanáticos que inventam descaradamente estilos de luta e criam uma “história” de origem dela, geralmente algo folclórico e milenar. É comum que, em função de sua ignorância, compilam uma patética mistura incoerente de nomenclaturas, rituais, armas e roupas, de origem chinesa, japonesa e/ou coreana, entre outras.

Existem ramos mais exóticos – artes que são raramente encontradas em academias fora do país de origem, pois não possuem representação oficial no Brasil ou já são consideras “extintas”.  Como a comprovação de sua legitimidade é difícil (mas nem tanto hoje, através de investigação na internet), proliferam os mais diversos estilos, alegados chineses, japoneses ou coreanos.

O perfil de seus estudantes geralmente é de pessoas que sentem grande necessidade de se destacar e baixa auto estima, dispensando o treinamento em artes tradicionais sérias e comprovadas, preferindo a “exclusividade” de se treinar algo raro e de pouco acesso as massas. É o clássico “o meu é melhor que o seu, portanto, sou especial”. O mesmo se aplica ao pretensioso e alienado “mestre”.

É preciso cuidado pois, em situação de defesa pessoal, ter treinado técnicas fantasiosas e floreadas de eficiência questionável é bastante perigoso.

 

E agora?

O ganancioso


Este é um charlatão lesivo. Um pouco diferente do tipo anterior, o fanático fantasioso, este visa única e exclusivamente o lucro financeiro. Sua arte geralmente possui grande apelo da moda e seu marketing é agressivo e depreciador em relação às demais artes. Normalmente, o “mestre” é alguém que já foi treinado em alguma arte tradicional mas por algum motivo não atingiu graduação coerente com a função de instrutor. Desligando-se do ramo central de sua arte, desenvolve de alguma forma obscura técnicas supostamente eficientes e monta um currículo de modo a se tornar imponente e impressionante para angariar seguidores que o verão como “invencível”. Seu objetivo é formar o mais rápido possível “instrutores” que se espalharão e abrirão “franquias” de sua academia, divulgando seu recém-criado estilo de luta.

Como forma de captação financeira, ele cobra altos preços em comparação com a média do “mercado”, sempre argumentando que o aluno deve valorizar o que treina, pois é uma arte exclusiva. Se a arte demanda a compra de equipamentos, ele possivelmente aponta fornecedores parceiros ou próprios e impede o aluno ingressante de adquirir equipamento de terceiros, geralmente a preços bem mais baixos. É comum também a cobrança, com valores questionáveis, por seminários e cursos, que supostamente figurariam no currículo do aluno como possibilidade de graduação. Isso quando não há uma espécie de obrigatoriedade em se “federar” na arte, o que exige pagamento de taxas de anuidade. Sem falar nos famosos “cursos” para se graduar faixa preta em X tempo…

Beneficiando-se de uma espécie de sistema de pirâmide, sempre se mantém no topo, recebendo os rendimentos de seu “trabalho árduo”. Se for o caso de possuir inúmeras academias, raramente as visita e torna-se uma pessoa pouco acessível, consolidando a imagem de “mestre ocupado”, além de não treinar diretamente a massa de discípulos arrebatados, que recebem orientações de instrutores com pouquíssima e questionável experiência.

 

Tudo que o picareta deseja: seguidores..

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O separatista


Este é um caso particular onde não haja, necessariamente, charlatanismo. É sabido que nas diversas federações esportivas existem muitas divergências em relação a pontos de vista executivos e administrativos. Nas federações de artes marciais não é diferente.

Quando dirigentes não chegam a um acordo e a discussão acaba no âmbito pessoal, é comum que uma das partes peça desligamento da entidade. Porém, é possível que este dirigente e mais alguns membros seniores que possuem uma visão política similar se unam e criem uma nova federação. Geralmente, tais dirigentes são mestres graduados e possuem habilitação e capacidade de transmitir os conhecimentos marciais de forma tão plena quanto a facção original da entidade.

Até aí tudo bem, pois não existe o prejuízo marcial propriamente dito. Tudo que se treina na nova federação também é treinado na original, mesmo que com métodos um pouco diferenciados. O máximo que pode acontecer com um praticante que se liga a nova entidade é estar burocraticamente irregular em relação a federação internacional, que dirige a arte em todos os países que possui representação.  Pode, por exemplo, estar impedido de participar de eventos, como campeonatos mundiais e olimpíadas, caso a federação mundial só reconheça a facção original como representante oficial da arte em seu país. Também pode acontecer de sua graduação não ser reconhecida internacionalmente.

 

 

Caso clássico:

Taekwondo é dividido em 2 federações (WTF e ITF)

O problema do separatista ocorre quando o “mestre” que se desliga não tem graduação e experiência de treino necessários para encabeçar uma nova entidade, que certamente treinará técnicas segundo sua própria visão. Na verdade, a vaidade em querer gerir seu próprio “estilo” acaba por sendo o maior problema, pois uma vez no comando da entidade, tem o poder de alterar rotinas de treinamentos, formas e técnicas. Pode incluir e excluir do currículo à vontade. Eventualmente se torna o charlatão financeiro, pois deseja superar em vários quesitos a federação original, tida a partir de agora como “concorrência”.

É importante considerar que existem convergências entre os tipos e que dificilmente um charlatão se encaixa apenas em um quesito.

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Conselhos para evitar os falsários:

O problema mais comum que observo nas artes marciais é que eventuais iniciantes as tratam como um produto de consumo. Você paga por um suposto benefício e espera usufruir imediatamente dele. Isso é um equívoco e perverte o verdadeiro propósito do treino. Claro que pessoa alguma tem o direito de julgar os objetivos e interesses de um colega de treino, que pode ser a mais profunda reflexão existencial até um simples condicionamento físico divertido. Porém, muito se perde na absorção de conhecimentos e modos de se pensar de um sistema possivelmente centenário (ou até mesmo milenar) que muito pode acrescentar na vida do praticante, se este abrir um pouco sua mente.

Em todo caso, o primeiro passo para evitar um charlatão é a pesquisa. A internet é uma ferramenta formidável para recolher dados e opiniões, sendo possível fazer uma pré-avaliação da arte que você tem interesse em treinar. Recomendo fortemente tentar não fugir de artes tradicionais que já são amplamente conhecidas e possuem federações que regulamentam seu ensino no país. Artes consideradas mais raras e exóticas geralmente são alvo de picaretas principalmente pela falta de informação geral que se tem delas. Muitas vezes são vistas apenas em filmes e relatos de antigos mestres. Dessa forma, as pessoas não tem uma base de conhecimento próprio podem ser pegas acreditando em tudo que o “mestre” contar.

Frequente fóruns de discussão e comunidades de artes marciais. Ao conversar com os membros, identifique-se cordialmente e peça orientações baseadas no que você pesquisou. Dessa forma, é possível observar a fama de tal arte e seus alunos. É claro que existem praticantes medíocres que discursam besteiras pela internet, por isso é importante buscar informações além dos próprios domínios virtuais da arte. Se você quer saber sobre a arte X, obviamente procurará seu site oficial. Mas é imperativo observar outras fontes de informação que não a deles, atrás de opiniões imparciais e não tendenciosas.

Evite artes com excessos místicos e cerimoniais. Elementos religiosos, manipulações energéticas, uniformes coloridos e idolatria ao “mestre”. Tudo isso é fantasioso e torna questionável a legitimidade da arte e do instrutor.

 

 

Exageros e alegorias não fazem parte da arte séria.

Nem sempre o fato do mestre ser um homem ou mulher oriental (ou descendente) é garantia de ensino de uma arte autêntica, ou que é reconhecido oficialmente para isso. Somente entrando em contato com os representantes oficiais da arte em seu país de origem é que é possível obter uma lista de locais e pessoas autorizadas. E cuidado com mestres supostamente multigraduados. Se tornar apto e autorizado a ensinar uma única arte marcial pode demandar décadas de treinamento.

Também evite ao máximo “mestres” que inventam estilos e sistemas de defesa pessoal próprios. Aposte sempre no tradicional e conhecido.

O dano causado pelos charlatães pode ser considerável. Em especial, aqueles que “ensinam” defesa pessoal podem acabar por instigando uma pessoa sugestionável a tomar atitudes precipitadas em situações de perigo, como reagir a um assalto. Considerando que mesmo mestres muito treinados e experientes podem falhar nesta situação, o que dirá de pessoas com treinamento e experiência mínimas?

Sempre que o elemento financeiro constar, é importante muita atenção. É muito justo que instrutores possam viver do conhecimento que passam a diante e que através dele e de sua paixão pela arte marcial, possa viver dignamente e sustentar sua família. Dessa forma é um pouco difícil calcular uma taxa básica para mensalidade. Varia muito do espaço disponível para treinar, sua estrutura e equipamentos oferecidos, além é claro, da carga de treino semanal oferecida aos alunos. Como valores podem divergir em função da região, do estado e do país, dificilmente vale a pena pagar mais de cem reais mensais, por três sessões semanais de pelo menos uma hora cada. Tenha em mente que o charlatão que está atrás de dinheiro sempre irá apresentar argumentos que enaltecem sua arte para convencê-lo a se juntar a eles. Cuidado com a lavagem cerebral, pois em pouco tempo, pode acabar sendo convertido e se ver defendendo o “mestre” e a arte com unhas de dentes! Esse é um sintoma clássico de alienados doutrinados por charlatães.

 

 

Aparência e postura produzem reações. Como discernir?

No demais, visite as academias. Não basta ter uma idéia do que é a arte ou ter aquele sentimento de que “sempre quis treinar isso”. Muitas vezes, a expectativa do iniciante é maior do que a realidade da arte. Treinamentos marciais são exaustivos, extenuantes, repetitivos e dolorosos. Principalmente nas artes que possuem luta de contato ou competições de luta. E eles nem sempre se adequam a você, pois é você quem deve se adequar ao treinamento.

Conversando com o responsável, é possível se sentir confortável naquele meio ou não. Muitas vezes, a impressão inicial é determinante mas nunca se empolgue, sem fazer a devida pesquisa da arte e das credenciais do instrutor. O fato de ele ensinar o que ensina pode trazer “satisfação” aos alunos, mas sinceramente, aprender de uma pessoa que não tem autorização ou sequer é graduada é um imenso vazio. Você estará apenas “consumindo” e não “vivenciando”.

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* As imagens deste artigo são meramente ilustrativas. Com exceção de Mochida Moriji Sensei, nada garante que aqueles que aparecem nelas sejam praticantes autênticos, atores, pessoas fantasiadas ou falsários.

 

Artigo original

publicado por camilocarneiro às 10:26
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1 comentário:
De camilocarneiro a 21 de Fevereiro de 2012 às 15:37
Caro Camilo:

Ao ler o teu artigo intitulado "Ervas Daninhas", que na minha modesta opinião está muito bem elaborado, não consegui enviar o meu comentário, pelo que tomo a liberdade de enviar o comentário deste modo.

"Ervas Daninhas", trata-se de um a artigo que aborda o tema das graduações / status, nas artes marciais e em especial no Japão.
Salvo o respeito por melhor opinião, o mesmo conceito das graduações /status tem significados um tanto diferentes. Com efeito, no Ocidente tal conceito visa obter qualificação para obter um ganho preponderantemente material...., enquanto que de um modo geral no Oriente e em especial no Japão, o referido conceito tem a marca de "caminho percorrido" e assim surge a graduação /status por caminho passado, que leva a experiência de vida que indubitavelmente ocasiona um status de merecimento e de verdade.

Com estima e consideração.
Azevedo.

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